31 outubro 2015

O Estado é o mercado

Poucos argumentos são tão comuns na cena política nos derradeiros trinta ou quarenta anos quanto o da oposição de Estado e mercado, em que se formula o enfraquecimento ou aniquilamento do primeiro em nome da prevalência exclusiva do segundo. Seja este talvez o mais resistente dos temas pelos quais os desgastados conceitos 'direita' e 'esquerda' - mesmo que apenas de si e para si - ainda fazem algum sentido.

Por sua face comezinha divisa-se tão-só o anseio do empreendedor por usar dos recursos de que escolheu dispor, entre os quais - e talvez prioritariamente - a mão de obra, sem necessário ser prestar contas a qualquer instância de algum modo dita superior ou competente para tal lhe cobrar. Já do lado de que se poderia dizer 'teórico' - ou da argumentação mesma a justificar a pretensão - o defensor da primazia do mercado vale-se de expediente tido à primeira vista por, no mínimo, bombástico, uma vez atacar o que é o cerne ou o fim de todo filosofar, a questão dita Ética, com alegar ser o mercado a fonte donde exclusivamente fluiria o quanto teria a filosofia prenunciado e tão-só - ou quando muito - esboçado nesses seus dois mil e quinhentos anos de existência.

Para tanto tem usado de conceito suposto crucial, mas tratado sem a cabível e já clássica crítica, para demonstrar que o simples agir em comunidade e sem maior reflexão do que a orientada por não mais do que esse conceito, o de liberdade, é capaz de prover a humanidade disto que ela tem ensaiado produzir em ao menos dois milênios e meio de especulação filosófica. A ideia do livre agir, por sua vez assentada sobre a de individualismo (que mais não tem sido do que a assunção de um egoísmo de que se poderia dizer 'cru'), seria de per si o motor a impulsionar a sociedade a, não por certo, o seu funcionamento ideal (objetivo quimérico em cuja busca ter-se-iam perdido os filósofos, diriam os proponentes do Estado mínimo ou nulo), mas a condição suficientemente justa e que comportaria ao menos submissão articulada a despotismo, ambos esclarecidos.

Mal nutrida no pensamento clássico, do qual distancia-se com os excessos de disciplinas exegéticas impotentes para recriar tal e qual o foi o passado, além de vexada com ter tolerado em forma de lei - que por natureza é hábito (outrossim dito 'moral') calcificado(a) - práticas como o escravagismo e outras tantas em frontal desacato à condição humana (a cujos axiomas teve-se em consenso de anuir), a filosofia aparecida do ocaso do Renascimento e da Contrarreforma vê-se rendida à incapacidade de emendar na argumentação pelo mercado dito livre o quanto algum tino sobrante lhe acusa haver ali de incompatível com o bom senso. Por isso se lhe mostra bombástico o encaminhamento do argumento, pois parece fasciná-la, antes de sequer intrigá-la, a incontornável, óbvia submissão da liberdade à capacidade de escolher, já que não atina com ser justo isto, a escolha, o que a torna conivente com a ignorância (pois não há escolher quando existe certeza, isto é, quando se conhece), pelo que não se pode afirmar a liberdade como direito inato, mas como dever e, se de algum modo como direito, um adquirido, e somente quando se acredita ter-se logrado obtê-la sem estar-se em erro. A individualidade não lhe parece menos evidente, mas ao ser tratada como modernamente tendem a o ser os 'ismos' mostra-se tingida de inequívoco perigo: o indivíduo, afinal, só é definível como coisa em perene mutação, sendo preferível que por expansão e não, como como vem revelando a prática do mercado e mesmo a defende a teoria, por contração, à qual corresponderia a prevalência sempre crescente dos interesses do indivíduo, ainda que em detrimento do que interessa aos demais - disto deduzindo-se que o equilíbrio (e não a paz) da coisa pública seria produto do constante embate de interesses privados sem necessário ser estabelecer-se a priori ou descobrir-se conjunto de regras fundamentais para tal.

As regras num mercado dito 'livre', assim, apareceriam da estrita defesa da individualidade, a delimitada pelo tanto que o sujeito fosse capaz de incorporar a si e descrita como o que possui tendo por função satisfazer-lhe o que entende por necessário e cujo limite básico se estabeleceria na manutenção da própria existência. Não se descarte desse equacionamento o arbítrio do sujeito para estabelecer o quanto crê corresponder a tal limite e o quanto pode desconsiderar do limite alheio, caso assim entenda ser justo. Já no que concerne à expressão pública do 'justo', o contexto da chamada Justiça, não está ela imune às expressões privadas, as quais historicamente já tenderam a organizar-se em torno de uma única, dita a do chefe ou soberano numa dada comunidade, e de modo a preservá-la, estando nela subsumido abraçar a Justiça, a pública, a comum, mas configurando condições distintas de gozo decrescente do 'justo' relativamente a esse centro e tanto mais exíguas quanto mais distanciadas dele. O Estado moderno, por seu turno, procurou com mais rigor efetivar o caráter público da Justiça, entendido como a submissão de todos, sem exceção, ao justo, ora definido como espécie de média dos 'justos' privados e em que cada qual tem de ceder porção do seu para que se preserve no mínimo ou acima disto o limite geral, agora estabelecido em consenso. A teoria do Estado mínimo, em tese, é reação ao disposto pelo Estado moderno relativamente à Justiça e busca apresentar argumentos que justifiquem as discrepâncias do Estado antigo, entre os quais a discussão do preceito de igualdade (cujo debate atingiu o ápice na Revolução Francesa) articulado, naturalmente, ao 'justo'.

Em resumo os teóricos do Estado mínimo advogam a busca no 'mercado' do quanto o Estado moderno, dito 'de direito', passou a prover aos indivíduos, sem distinção, e que nada mais é do que acerto a que se chegou por intermédio de negociações mais ou menos vigorosas - e que é previsível tanto como certo ocorrerem no âmbito do 'mercado' assim como o entendem tais teóricos - com a particularidade de no âmbito do Estado as regras dessa negociação serem menos 'voláteis' do que prevê para o mercado, dito 'livre', a teoria deste e do Estado mínimo, cuja expressão mais radical preconiza o que chama de Anarco-capitalismo, definido como a pulverização ou eliminação completa da ideia de Estado - como se tal fosse possível ou sequer pensável.

Ora, o Estado sempre existirá, ainda que sem um percentual de seus indivíduos a geri-lo. O termo 'Estado' diz respeito à condição gregária ou a como está ou é um dado grupo de indivíduos. Ele diz respeito a como eles interagem, a como por ele é instanciado o que há de fundamental ou incontornável nos padrões de sua interação. Assim é que falar de 'mercado' é falar necessariamente de Estado. Mesmo num mundo como este em que tramitamos, em que o 'mercado', tornado mundial (algo que, em tese, sempre foi, variando apenas o âmbito do que se conhecia do chamado 'mundo'), perpassa os diversos Estados, a eliminação desses Estados não acarreta o apagamento da noção de Estado, mas sim ou tão-somente a criação de um Estado único, com a particularidade de ser explicitamente gerido por quem, em última análise, vem gerindo-o desde há muito segundo regras draconianas e a despeito do estatuído no Estado de direito, mas desta feita tendo por fundamento conjunto de conceitos manipulados segundo suas acepções mais ingênuas ou tão-só mal intencionadas, entre os  principais os de liberdade e individualidade, de maneira a instalar a competição generalizada, sem peias e passível de controle total por um dado grupo, repita-se, de perfil indistinguível do de quem tradicionalmente tem dominado os Estados como ainda os conhecemos' mas sem a legitimidade outorgada pela 'coisa pública'. A ideia de Estado mínimo, assim como a de Anarco-capitalismo, enfim, é eufemismo para a chamada 'lei da selva', ou para a capitulação do ser humano diante dos prolemas fundamentais da Ética.

01 agosto 2015

Depois de comentarem Chomsky

Um comentário a uma entrevista com Chomsky sobre Anarquismo e 'Libertarismo' alega que esse filósofo não faz jus em suas explicações ao que o 'Libertarismo' com efeito é ou pretende ser, isto é, uma corrente convencida da verdade de uma ilação antiga da economia, segundo a qual o mercado promove justiça, equidade, se deixado 'livre', ao sabor de suas leis. Libertários advogam, quando moderados, o Estado mínimo e, quando radicais, algo que se chamou Anarco-capitalismo.

Diante do fato de uma escorchante desigualdade ter sido o que resultou de toda liberdade desfrutada pelo mercado (que para o libertário ainda é pífia, uma vez que há impostos e  outras regulações) ao menos nesses derradeiros duzentos anos, salta aos olhos a ideia de 'competitividade' ou de 'competição', tida nessa linha de pensamento por condição incontornável da natureza (a humana, inclusive). Quanto a isto cabem ao menos duas considerações:

a) sendo a condição gregária um modo de afastar da grei ou lhe amenizar a competição que não lhe interessa, mantendo, é claro, outras que lhe parecem úteis, interessa saber qual tipo de competição é tolerável no caso do ser 'racional' humano, digo, qual é o gênero de competição que não esgarça ou rompe o tecido social;

b) é mesmo possível que o conceito 'competição' não seja o que há de espúrio no credo libertário, mas sim o tipo escolhido de competição a ser tolerado pela sociedade, uma vez que se o objetivo fosse competirmos por uma 'absoluta' igualdade dos indivíduos, por exemplo, o elemento desagregador suposto ser inerente ou implícito à ideia de competição, ao que parece, desapareceria.

Mas dessa escolha têm-se mantido à distância mercado e seus defensores (que acreditam, inclusive, numa demonstração impossível do conceito de 'liberdade').

A ideia de igualdade é claramente metafórica nesse contexto. Mesmo em termos orgânicos os indivíduos somos somente muito parecidos uns com os outros. As necessidades do organismo, em princípio o motor ou a causa de todas as demais necessidades pensáveis do indivíduo são entretanto refreáveis pela cabeça, daí o recurso eterno à educação, ao exercício continuado do pensamento. Por isso 'igualar' tem função exclusiva de meta da qual parece ser possível somente aproximar-se, talvez jamais tocá-la.

Mas é diferente do sentido usado em 'liberdade', conceito tido por 'a priori' da condição do indivíduo, ou seja, seríamos por natureza 'livres'. Teórica ou praticamente isso é um contrassenso ou uma impossibilidade: em prol da economia de palavras, tome-se apenas a questão prática para dizer que tal liberdade jamais foi observada, uma vez que os indivíduos estão, sim, atados às circunstâncias, das quais também são partes desde os eventos naturais até as ocorrências sociais e por aí vai; a única liberdade observável - e por isso teoricamente descritível (ou teorizável) - é a liberdade 'a posteriori', digo, é-se atado, aprisionado por condição, por natureza, e o que move o indivíduo é justo o livrar-se dessas amarras, ainda que sempre haja outras incontáveis adiante, por mais que tenha sucesso em desvencilhar-se de quaisquer delas.

Isto é vital para a compreensão do nosso mundo gregário, que a despeito de ainda levar a extremos a opressão (ou escravidão - tirando as peias da língua - mal disfarçada), acredita ter cunhado um conceito com que divertir as massas (e inadvertí-las), do qual se tira, como se de cartola, a questão dos 'direitos': temos direitos enquanto condição originária, direitos natos. Na realidade, teórica e praticamente, temos talvez um único direito de nascença (que talvez seja mesmo uma compulsão, um instinto), o de passar a vida livrando-nos dos obstáculos tendo por paradigma uma concepção de liberdade de que, por sua vez, nem sequer é possível aproximar-se (digo, o caso contrário da noção de igualdade): a cada obstáculo vencido a realidade é exata em apresentar não um outro para substituí-lo, mas centenas de outros, sem falar nos não superados e já coexistindo com aquele que por acaso se deixou para trás. Desse viés a condenação dada a Sísifo é análoga à que se deu ao franco-atirador em 'O Fantasma da Liberdade' (de Buñuel): a liberdade, ou seja, a vida como ela é, em princípio indiferenciável de uma pena de encarceramento ou de um rolar ladeira acima um fardo que eternamente rola para baixo depois de se o ter levado ao topo, ainda que alguma vez não o aparente - quiçá por sermos muito esperançosos ou ingênuos.

Enfim, vista deste viés a ideia de liberdade entranha-se na de 'responsabilidade', pois se é de partida responsável pelo instinto ou compulsão de superar obstáculos e além disso tem-se de ser responsável por não obstar a tentativa de superação alheia dos seus, pois isso termina por redundar em obstáculos adicionais para todos. Essa é em linhas gerais a 'equação da vida', nada simples, como é fácil de constatar em simplesmente continuar-se vivendo, mas é o que decorre de por o conceito de liberdade nos devidos trilhos, o que decorre de tomá-lo pelo que em fato é e em teoria é possível; conceito 'a posteriori'.

01 julho 2015

'... a carta da democracia'.

É como anuncia uma crônica do diálogo de Tsipras e União Européia, que termina em plebiscito.

A metáfora me faz rir: à primeira vista se fala como se de coringa, o que em grande medida é, mas está longe de oferecer exclusivamente os benefícios implícitos nessa carta num jogo comum.

No jogo democrático, em princípio, seria desejável se os baralhos utilizados nele fossem compostos somente dela, 'carta da democracia'. Mas de fato ninguém o quer, justo por implicar o oposto do que garante um coringa normal, por não implicar benesse, ao menos não de imediato.

Fala-se muito nos gregos como 'pais da democracia', o que não é verdade. Democracias sempre existiram, quase sempre na modalidade direta. Invenção grega nesse campo, sim, é a 'automação' do sistema democrático que, como qualquer outra automação no Mundo Antigo, tinha de contar com algum tipo de tração animal, sendo no caso a humana a melhor indicada para o trabalho. Assim contratam-se uns portadores de problemas e se faz com que se confrontem até o advento de alguma solução, enquanto os demais, os contratantes, cuidam do que estimam ser de efetiva importância para si, suas vidas privadas, tendo antes firmado o compromisso de anuir a seja o que for que decidiram seus contratados.

Enxergando-se desse viés o processo democrático, podemos constatar que de Péricles para cá evoluiu-se pouco, ou quase nada se não se consideram os cosméticos, mais visíveis na interminável sofisticação dos mecanismos de corrupção, muitos dos quais sagrados em leis.

A contar com a nossa sanha por delegar o que em princípio deve caber ao cidadão (quando já faz décadas que, por exemplo, economizamos dois ou três passos do sofá até o televisor comprimindo um mero botão), concordaremos com que a retirada desse tal coringa - dum baralho que deveria constituir-se da reprodução dele tão-somente! - no meio de um joguinho a que assistimos à distância não deve causar lá muita euforia nos delegantes e na certa alegria alguma nos delegados.

Entretanto é, como disse e acredito ser, a única carta a fazer sentido no tal jogo democrático e, portanto, a única a merecer estar no baralho com que é jogado. Mas como não implica prendas, seja qual for a circunstância, e sim trabalho, trabalho constante, interminável, quase ninguém faz festa quando aparece.

29 maio 2015

Ora, dir-lhes-ia sem hesitar: parabéns, têm razão, mas não por inteiro ou do modo que imaginam tê-la.

A ideia de 'mercado', como qualquer outra, tem lá seus descaminhos, suas vielas escuras, inexploradas ou quiçá inexploráveis. Se o definimos como de hábito, por exemplo, como o espaço em que ocorrem as trocas de bens, e se o limitamos com exclusividade à esfera humana (pois a rigor há no mercado incontáveis esferas), as conclusões saídas destas disposições preliminares podem ser desconcertantes.

Observemos então esse universo das trocas humanas de bens: não constitui, se o submetemos a lentes que chamou Quintana de abismais, esfera singular, única, mas sistema de esferas diversas, seja embutidas, seja entremeadas, a depender do fator usado para caracterizá-las. Tomando-se por paradigma, por exemplo, a atuação do governo frente ao mercado, percebem-se ao menos duas esferas algo distintas entre si, uma sob seus controle e supervisão e outra lhes escapando, sendo a primeira supostamente mensurada e a segunda de dimensões inescrutáveis (pois fosse de outro modo, ter-se-lhe-ia noção da grandeza). Já quando o critério é o dinheiro, entretanto, o quadro torna-se um tanto mais diverso e caótico, uma vez se saber que na esfera supervisionada pelo governo sua presença é universal e inquestionável, enquanto na outra tal não se pode afirmar com igual segurança, pois é justamente a cor dele, dinheiro, o que confere a relativa visibilidade à porção conhecida desse setor de dimensões imprecisas e por suposto monumentais, embora se intua que atue até muitíssimo mais à frente do que é possível vislumbrar, então diluindo-se ou esgarçando-se para dar lugar ao que se acredita ser o puro escambo, quiçá permeado pela passagem fortuita de outra moeda ignorada e efêmera.

Ou seja, a depender do paradigma ou critério escolhido para estimar-se forma, dimensão ou outras quaisquer especificidades dessas seções do mercado seria possível representá-lo ora por esferas concêntricas, ora por esferas em interseção ou mesmo por outras que tão-só se tocam ou quiçá jamais o façam, sendo estas últimas apenas estimativas, às quais se somam a dúvida mais prosaica quanto a várias delas serem com efeito esferas.

Da presença ou ausência do dinheiro no mercado chega-se ainda aos bens cambiados eles mesmos, que por sua vez se distinguiriam, por exemplo, segundo serem ou não cambiáveis por moeda ou mesmo por estarem de fato sendo ou não trocados por ela. Deste viés entrevê-se espécie de cruzada dos afeitos ao uso amplo e irrestrito do dinheiro através do mercado em toda sua inteireza (se de tal magnitude é possível falar), cujo mote alega inexistir o que ele, dinheiro, não seja capaz de comprar. Trata-se, é evidente, de empreitada quixotesca, primeiro, como se viu, em termos do que seria na totalidade a expressão do mercado quanto aos bens, segundo, por ser de todo descabido, por desprovido de praticidade, estimar em moeda tudo quanto a velocidades impensáveis trocam entre si somente os humanos (pois conota-se aqui, en passant, o quanto trocamos também com seres outros nas demais porções do mercado total, de cuja consideração de momento abrimos mão em prol de não nos embrenharmos nalgum tipo de infinitude). Recomenda-se portanto que se postule a existência de infinitos bens inavaliáveis em moeda para cada outro que é capaz a moeda de apreciar.

Entende-se o por que dessa cruzada das finanças mercado adentro (ou afora): controle. Pois o dinheiro é como tanto o contraste que se injeta num organismo para melhor lhe radiografarem as entranhas, quanto as rédeas ou coleiras. Por seu intermédio ter-se-ia a um só tempo a tão cobiçada visão panorâmica do mercado e a capacidade de menejá-lo. Manejá-lo porque o dinheiro constituiu pletora de virtudes cujos efeitos o assemelham às substâncias indutoras de dependência quando instiladas em organismos. Mas entre as virtudes principais está sem dúvida a possibilidade - exponencialmente maior do que a de quaisquer outros bens cuja troca intermedeie - de se o estocar em espaços comparativamente ínfimos. É provável que nesse aspecto o superem somente os bens produzidos com a informática e, de futuro, com a nanotecnologia, sendo certo, por outro lado, que em vista disto venha o dinheiro a assumir uma e outra formas, venha a transmigrar em espírito para o bit e para o nano-objeto. Fosse tanto insuficiente, sua estocagem dispensa de há muito os cuidados e despesas implícitos no armazenamento da esmagadora maioria dos bens restantes.

Ademais revelou propriedade ainda mais mirabolante, por certo congênita e exclusiva, essa de constituir-se em matéria-prima de si mesmo, o que realiza aproveitando-se de gigantescas ondas de espasmo de hordas de indivíduos em transe masoquista induzido pela perspectiva meio imaginária, meio real de abstinência forçosa dele, dinheiro, processo tal denominado 'especulação'. Esse termo, aliás, é curiosamente apropriado, justo por sua escolha fortuita, para designar o dito processo tanto quanto outro, famoso, 'metafísica', para significar o que se entende por filosofia no que tem ela de essencial. Suposto sugerir seja posição relativa em prateleira de biblioteca de uma entre as demais obras do autor, seja presumido encadeamento lógico para entendê-la no conjunto das outras, 'depois da física' passou por extensão a designar o conteúdo ele mesmo do tal livro, entendido como tratado acerca do que estaria 'para além do visível', 'para lá do mundo físico, para lá do mundo experimentado por empiria', associação esta que, ao menos do viés poético (por assim dizer), capturou os espíritos mais cultivados ao longo dos derradeiros dois mil e quinhentos anos. Por certo intentando designar a elucubração necessária à atribuição de valor monetário aos bens em geral, 'especulação' sutil e poeticamente sugere também o processo de multiplicar-se, de produzir-se o dinheiro em si e por si próprio: como se o fizesse valendo-se de postar-se de frente para espelho - embora o faça de fato a 'tração' emocional humana.

Enquanto símbolo, pois, concebido para representar em grandezas aritméticas tão-só atribuição de valor a bens, o dinheiro passa a significar também o ato de apreciar a si mesmo diante de superfícies refletoras de luz, hábito que se presume compartilhado por diversar espécies de bichos, mas que no domínio do humano assume importância incessantemente redimensionada a cada revisita a conhecida lenda. Como é evidente, vê-se ao espelho somente réplica, de todo intangível senão pelo olho e portanto, falsa, fajuta, ilusória, reprodução de que se perde o controle em razão direta da quantidade de reflexos produzidos. E tal processo, como é também evidente, tem por fim controlar o incontrolável, o mercado, ainda que somente essa porção sua exclusiva da esfera humana e ainda que se não o confesse em prol de preservar uma concepção de mercado 'livre'.

Sim, é verdade, é possível afirmar que como um todo o mercado não é controlável (em princípio por também não ser cognoscível enquanto totalidade), mas não por ser incontrolável de fato ou, como é costume dizer, por ser livre. Seria talvez mais adequado chamá-lo, em vez de incontrolável, de atualmente incontrolado em alguns de seus domínios, e talvez assim esteja por apenas não ser desse modo que se o controla. Porque o mercado, em particular este do domínio humano, primeiro, tem mostrado ser só esse incômodo rebuliço de indivíduos ensaiando controlá-lo, ensaiando controlar, na verdade, os indivíduos restantes (que em conjunto são, na verdade, em que consiste ele, mercado), cada qual por si e tendo por ferramenta o instável dinheiro. Segundo, porque todo esse alvoroço nada tem com 'liberdade', mas com confusão, com caos mesmo: liberdade não é condição inicial, não pode sê-lo; liberdade é fim, ainda que inalcançável, da determinação inata ao indivíduo de por de lado o quanto lhe estorva a ação. Assim, uma vez que tem sido o lugar do estorvo recíproco de sujeitos, mais adequado seria inferir que por mercado se designa o espaço onde cada ator busca conseguir, e é certo que sem sucesso cabal, a liberdade própria.

Dizer do mercado ser livre é, no mínimo patifaria intelectual, se não deficiência cognitiva. E não é por ser efetivamente caótico que tenha de ser dito indomável, em particular em se valendo da lógica equívoca ou mal intencionada derivada da alegação de que é livre. Fosse de outro modo relegaríamos ao laissez faire todo restante conhecido do mercado - que mercado de fato é - de que são atores, ao lado de nós humanos, miríades de entidades do sistema cujo todo chamamos Terra: como constatamos, vivemos de estabelecer, aí também, o controle possível e suficiente para livrar-nos de quase todo o mal, por vezes resultando em nada, por outras somente potencializando e agravando o delicado e precioso caos preexistente.

Portanto, e por fim, é tolo, repito, se não apenas mal intencionado, primeiro, pensar 'liberdade' como condição inicial e não como fim (e ainda que inalcançável na amplitude desejada) de ações de indivíduos de quem se supõe possuir e exercer a vontade; segundo, usar a ideia de liberdade para estabelecer e justificar uma 'Ética do mercado', quando o que o movimenta, mercado, é talvez a única Ética possível, que tem por cerne o indivíduo (e ainda que em muitos aspectos enunciada de forma errônea ou incipiente) - pois mercado é o mesmo que os indivíduos atuando uns com os outros, estes sem os quais ele, mercado, inexiste; terceiro, ignorar que o que já se faz e sempre se fez é o continuado esforço de controle sobre seja qual for a porção do mercado (uma de cujas táticas é alegar sua independência ou liberdade), o que é natural em princípio (pois se procura justo a liberdade, o afastamento, pelo sujeito, do que o estorva, como se mostrou), embora por resultado se tenha obtido nada além da permanente convulsão do confronto de desejos não conciliados; e quarto, descartar a hipótese de ser possível levá-lo, mercado, a um estado duradouro de equilíbrio e assim o conservar, pois é a esperança de obter justo isto o que nos vem motivando a manter-nos agregados faz eras.

Faz tempo que não é mais só ficção.

(Hollywood que se vire atrás de novos enredos e que preparemos nós os estômagos para tolerá-los)

Matéria (em página do Alternet) abre janela sobre uma das profícuas possibilidades de negócios em futuro não muito distante. Na verdade a prática já as efetiva e alguma lei mesmo já aponta para sua próxima consolidação.

Eis aonde, é certo, se quer chegar: o sujeito deve algum dinheiro, é sentenciado a pagar, logicamente, incluso o custo do julgamento, mas é de fato pobre, não tem de onde tirar para evitar que uma firma especializada lhe ressarça a dívida, ganhando assim o direito de explorar sua desvalorizada força de trabalho até reaver o que adiantou, valor multiplicado com o passar dos dias de confinamento (pois não se deixará o indivíduo solto, naturalmente), já que assim lhe são fornecidas casa, comida e roupa (lavada, costurada, tudo produzido por ele próprio e pelos demais detentos), a cujo valor total aplicam-se os juros de praxe. Cumprida a pena - caso cumprível seja, é claro - o liberto terá de enfrentar todas as sanções tradicional e indiscriminadamente aplicadas aos de sua situação, como a dificuldade para achar trabalho, pelo que contrairá novas dívidas ou enveredará por carreira explícita no 'mundo do crime'. Já o crime é combatido, como sempre, pela polícia, agora majoritariamente financiada pela mesma iniciativa privada que compensa financeiramente as vítimas de qualquer tipo de delito e se apropria da força desvalorizada de trabalho  dos infratores.

Trata-se da solução natural dos problemas dum mundo cujas contas jamais fecham, o mundo do capital, que já experimentou de tudo para resolvê-los desde ao menos quando se viu na contingência de atender ao apelo moral dos da sociedade comum e extinguir a escravidão: depois de ter de sustentar por décadas a fio assalariados, transforma-os em terceirizados, a seguir em trabalhadores termporários e autônomos, tudo em nome de fazer as contas fecharem. Mas isto só até darem com a solução definitiva que, temos de reconhecer, em nada difere do escravismo, só que desta vez com base legal sólida, capaz de ser moralmente justficado ao longo de, talvez, eras sem fim: são escravos - digo, mão de obra sob regime compulsório de trabalho - todos os que descumprem a lei. O arremate virá com o adequado Código Civil que, em sendo lei, tem a prerrogativa de criar crimes em tão-só os apontando e denominando, sendo enfim usada para confinar para sempre e com o merecido proveito os 90% de humanos que não tiveram sucesso em suas finanças.

Quem sabe, então, fechem as contas.

Contas? Que contas? Isto será coisa do passado.

28 abril 2015

Haverá peito para com responsabilidade governar-se a própria cabeça? - a igualdade é anárquica.

Ao se falar em maior igualdade financeira para os indivíduos em vista de uma participação mais equânime de todos na economia, fala-se, em última análise, de retirar de uns o quinhão das coisas que têm por justo, tendo-se antes questionado, naturalmente, a justiça dessa distribuição.

Justiça, ora, é conceito atribuído a certos estados de coisas no mundo e por natureza pertence à àrea do conhecimento a que se tem chamado de Ética. Assim o questionamento da participação desigual de indivíduos na economia é puramente ético, ainda que alguma aritmética seja precisa no dar suporte à discussão.

E a pergunta mais natural - e talvez única na função - em questões de controvérsia acerca de algo ser ou não
justo parece ser a capaz de informar se os que estão em vantagem e a julgam justa manteriam esse juízo caso se vissem em desvantagem.

Por razões não só psicológicas e lógicas, uma vez que é suposto o indivíduo tender a manter incólume sua própria coerência, a resposta afirmativa não será de surpreender, tampouco os argumentos que a respaldariam e que em última análise se resumiriam à observação de que, para mal ou para bem, a participação avantajada no quinhão econômico resulta de acordos, outorgas que a mesma comunidade, como um todo, conferiu a quem a tem ou a seus antepassados, dos quais herdaram a vantagem. Desnecessário enfatizar a alegação em paralelo de que tais outorgas se teriam dado exclusivamente em virtude do mérito, categoria ética que dispensa questionamentos ulteriores depois de invocada: têm, assim, vantagens por merecerem e por merecerem a própria comunidade lhes outorgou os privilégios de que desfrutam.

Isto, entretanto, não os coibiria de ver, em aparente contradição com o ajuizamento como justa da divisão de bens em que têm vantagem, que é evidente serem desnecessários certos corolários da má distribuição de riquezas sofridos pelos que as desfrutam em menor quantidade, os quais, inclusive, participam com o próprio trabalho da conservação e do crescimento dessa riqueza de que eles próprios têm menos. Deixe-se claro também que o fato de se deixarem vitimar por tais corolários desnecessários só se compreende caso estejam sendo ou por inteiro displicentes para consigo próprios, ou alvos de coação (pela qual tiveram de escolher dos prejuízos o menor).

Portanto o hipotético debate terminaria estabelecendo como justa a divisão desigual de riquezas, mas com a ressalva de haver, sim, corolários insustentáveis por parte dos aquinhoados com menos. Tal resultado, em vista de ter sido obtido por meio de encadeamento de argumentos tendo por base conceitos e princípios da Ética tidos por válidos, terá de necessidade a anuência dos dois lados.

Resta, enfim, proceder aos ajustes, em princípio mero trabalho aritmético, devendo embora ter por respaldo os limites fora dos quais o antes tido por justo deixa de o ser. Por resultado ter-se-ia então um mundo menos desigual ou, dizendo-o de outra maneira, desigual, porém com maior controle dos efeitos adversos da desiguadade.

Esse é, em tese, o mundo a que teve de ceder o dito pensamento de esquerda, de início sustentando o que se chama de comunismo, moderando-o depois no que se chamou de socialismo e chegando por fim à chamada fórmula progressista, acima ilustrada em linhas gerais: mundo nada novo em seus contornos, porém admirável em vista do requerido para que permaneça de pé, a saber, ininterrupta vigilância dos resultados da desiguladade de modo a não se tornarem adversos, em miúdos, intoleráveis.

Um ponto, entretanto, parece ter permanecido cego na discussão acima encenada: se foram estimadas duas possibilidades para que os menos privilegiados tolerem as desvantagens resultantes da distribuição desigual de riquezas, que seriam ou a displicência para consigo mesmos ou a coação, ora, pergunte-se então o que os teria convencido a, antes de sentirem os seus efeitos, aceitar que colaborassem para semelhante distribuição. As razões parecem não ser diferentes das já invocadas para a instalação dos efeitos diversos da desigualdade: inépcia ou chantagem. E, no presente caso, sendo estas agora causas supostas da desigualdade e não mais ou apenas de seus 'corolários desnecessários' ou da tolerância para com eles, está outra vez em julgamento a própria desigualdade, já admitida como justa (pois a rigor os tais 'corolários' são de fato necessários num panorama de condições de vida em desvantagem relativamente a outras).

Observe-se, antes de dar continuidade a esta nova fase do debate acima, precipitadamente tido por terminado, que esse retrocesso tem por foco a questão do mérito, não de necessidade pondo em dúvida o mérito dos favorecidos na partilha desigual de riquezas, mas de necessidade revaliando o demérito dos menos favorecidos. Em que medida, por conseguinte, não mereceram condição melhor os desafortunados?

Assim, procedendo-se ao debate, pergunte-se: permaneceria justa a desigualdade caso tivesse por causa o descaso dos desfavorecidos na partilha? É evidente que o descaso é motivo de demérito, embora seja igualmente possível que tenha resultado de algum engodo. A despeito de no último dos dois casos o mérito de enganar tenha contornos no mínimo controversos, em ambos é inegável ter havido erro da parte dos desatentos ou enganados: deixaram-se levar, em última análise.

Já a hipótese de chantagem (a da escolha do menor dos prejuízos), que confina perigosamente com a outra, de engodo, também não desincumbe do erro a parte em desvantagem, mas confere cores dolosas ao antes mérito singular de enganador, este em princípio apenas culposo.

Neste ponto salva o debate da conflagração radical a invocação de direito havido por fundamental, inquestionável ou evidente por e em si mesmo, o direito do indivíduo a emendar os próprios erros: se errar é humano, igualmente humano tem de ser buscar, a despeito de erro pregresso, o acerto.

Mas agora o conserto de erros corresponde a perdas para os tantos possuidores de mais do montante de riquezas e é provável que não anuam com facilidade à nova proposta. Por argumento sustentam o acima constatado: não é ou foi seu o erro e portanto nada têm a corrigir. Trata-se do velho 'o problema não é meu', que na circunstância tem a virtude duma declaração de guerra.

Em novos miúdos: a se considerar como justa a correção dos efeitos da desigualdade em vista do que os possibilitou, ter-se-á de ter por igualmente justa a correção da própria desigualdade, uma vez esta última ter, em termos éticos, causas iguais. E se houve demérito por descaso, ingenuidade ou por se ter sido coagido, há mérito, em contrapartida, no contrário, em fazer caso, em atentar para as armadilhas e em resistir a coações. E se tal mérito não se obtém do acordo, da argumentação, o resultado final do debate parece indicar mesmo a conflagração.

Em outros termos: a agenda progressista, assim como se mostra, parece ter de ser tolerante para com a pecha de populista que com precisão lhe atribuem, em princípio por comprometer-se com remediar tão-só certas consequências (os tais 'corolários desnecessários') do statu quo da partilha de riquezas do mundo. Quando se percebe que o mesmo questionamento aplicado ao problema da justiça ou justeza de tais consequências é aplicável à própria desigualdade e se revelam as causas éticas de seu advento e manutenção, a agenda progressista tem de ceder lugar a outra de muito menor parcialidade e que não parece corresponder sequer ao que pregaram o chamado socialismo e mesmo o comunismo inicial, uma vez serem ambas soluções de moderação de um Estado planificador e vertical que subjuga a capacidade de conciliação direta dos indivíduos - e, em consequência, sua autodeterminação - por meio de regras específicas cuja permanência as torna incapazes de fornecer bases para a circunstância constantemente movediça da realidade e termina por ocasionar desequilíbrios e insatisfações como as de um grupo de indivíduos premido pelos designios de outro. A rigor não há senão uma só regra cuja durabilidade parece garantida ad aeternum: a de ser imperativo o acordo e de este não gerar quaisquer desvantagens, além de por necessidade tal ter por origem e suporte a autodeterminação do indivíduo.

Ora, uma sociedade exclusivamente composta de indivíduos autodeterminados para a equanimidade é evidentemente dependente do mais alto nível de educação, essa que capacita todos a entender a partilha sem distorções e em quaisquer circunstâncias como a única forma de Estado possível e viável sem qualquer prevalência ideológica garantindo a ascendência de uns grupos sobre os demais e os relativos silêncio e imobilidade sociais deste últimos. Um Estado como o que se descreve não terá prescindido, naturalmente, de função clássica sua, chamada Governo, mas a terá disseminada em cada uma e todas as unidades de sua Federação que serão também os seus indivíduos.

Mas terá prescindido na certa do dinheiro, uma vez que por princípio, sendo não mais do que um signo, um símbolo, está no lugar de não só quaisquer bens que de futuro lhe tomarão o lugar, mas igualmente no lugar da suspeita inquietante de não haver tais bens. Nascido provavelmente para postergar as trocas de bens de uso comum que numa dada circunstância não se podem efetivar, o dinheiro seja talvez o único ensejo ao aparecimento do Estado como ainda hoje o conhecemos, firmado e confirmado como o garantidor do poder de troca desse objeto, sem outro uso para o sujeito, por objetos outros, de usos diversos.

Por natureza produto ou bem como os demais, quaisquer, aperfeiçoaram-se do dinheiro certas propriedades, viabilizando-lhe a função cumulativa de modo exponencial a ponto de poder-se estocá-lo em quantidades gigantescas numa única folha de papel e mesmo numa minúscula fita magnética, acumulação que nenhum outro bem ou produto, à exceção - talvez exclusiva - de alguns dos da informática, pode sofrer sem requerer-se manutenção, além de grandes espaços. Falar de riqueza em tempos atuais é falar do potencial acumulador do dinheiro, do papel de coibidor do acesso geral e irrestrito à administração e à obtenção dos demais bens e do garante que lhe dá o Estado para que o faça. Administrar bens sem a intermediação do dinheiro é tarefa inviável para Estados nos moldes deste que conhecemos, salvo pulverize-se o Governo, dividindo-o - como já se mencionou - com cada um e todos os cidadãos, tendo estes por oriente a universal autodeterminação para o imperativo do acordo sem distorções.

Se pensados como fins em si mesmos, progressismo, socialismo e até comunismo não possuirão instrumentos para moderar e resolver o debate sobre distribuição de riquezas no ponto ao qual ele chega por força do próprio argumento, exclusivamente ético. Tal incumbência parece recair por inteiro sobre o sistema pensado anteriormente em termos históricos e ainda em pleno processo de refino, o Anarquismo, em vista do qual os outros três sistemas foram concebidos tendo por fim viabilizá-lo, serem-lhe pontes. Resta saber, dada a conclusão obtida (ainda que se teime em considerá-la, assim como suas bases, superficial, ingênua ou adjetivo outro que procure desmerecê-la), o que se fará em seguida, isto é, à exceção do habitual baixar as cabeças: terão todos - ou a suposta maioria - peito bastante, não digo para uma guerra (coisa de que o ser humano jamais abriu mão sem ter solucionado nada em toda a história), mas para com responsabilidade governar cada qual a si mesmo?