12 outubro 2018

Sobre 'alianças políticas'

Em termos gerais, se bem entendo o ponto 'alianças políticas', tenho a dizer que numa sociedade em que o processo de distribuir riqueza se dá por meio da troca (no caso nosso, troca de seja o que for por dinheiro), a movimentação política não pode se dar segundo princípio diferente do 'toma-lá-dá-cá'. Enfim, se todos negociamos tendo por base a troca, por que e como exigir do profissional da política que negocie em bases diferentes se seu negócio é cumprir as promessas que o elegerão ou elegeram e sua moeda é o voto (o seu, o de seus pares e o dos respectivos eleitores), com que aprovará (ou 'comprará') os projetos que realizam as promessas que fez ao eleitorado ou a possibilidade de trabalhar para os aprovar?

Por que exigir deles que negociem o apoio à aprovação desses projetos em bases exclusivamente morais, se nós, por exemplo, somos capazes de negociar e de fato negociamos em bases diversas com aqueles de quem em termos morais  divergimos mais ou menos sempre que o impõe a circunstância (como a do local de trabalho)? O debate moral tende demasiado ao impasse, que de hábito chamamos de 'polarização', o que ajuda em nada à coesão de grupos, especialmente os de tamanhos dos nossos estados e País, e pode impedir indefinidamente a viabilização do que se projeta. Natural é, sim, que a questão moral oriente a negociação, que estabeleça limites para o que se negocia, mas se ela se impõe além de certo limite, pode não haver acerto algum.

É por aí que vai e sempre foi a chamada 'arte da política' em sociedades do tipo da nossa. Pode não se gostar de como funciona, mas por coerência é preciso desgostar também do fumcionamento como um todo da sociedade em que essa arte existe - e ninguém ou muito pouca gente tem parado o bastante para pensar em mudanças profundas das nossas relações sociais, transformações que bastem para por de lado em definitivo todos esses comportamentos que em termos morais repudiamos. Política, por enquanto, é assim: faça o jogo ou morra na praia.

Por fim, é provável nunca ter havido o tempo em que se constituíam políticos para o papel de heróis ou mártires, esses que em tese morreriam pela causa coletiva que defendem. Mesmo o herói e o mártir lutam e morrem por causas próprias, e o que há de especial nesses indivíduos é o terem feito suas as causas que são de todos, de as terem tornado mais importantes do que os interesses privados que os mantêm vivos. Heróico ou não, mártir ou não, portanto, o político - bem como o juiz etc - só vota - ou decide - em causa própria, porque não há outro mecanismo indutor da vontade em seres vivos do jeito que somos. Reitero: se quer mudar o modo de funcionar nesse âmbito, mude antes as bases em que nos associamos - ou vá, o contrário, ajeitando-se à bagunça como der.

A mentira final

O ultraje gerado pelas notícias falsas ('fake news') deveria ser reconsiderado. É provável que devêssemos dar-nos por contentes.

Mentir para alguém desimportante não faz muito sentido para o mentiroso. A mentira é em muitos sentidos sinal de certo respeito, de respeito certo para com aquele para quem se mente. Se o indivíduo não tem peso algum na vida de outro, a lei do menor esforço ensina a este a vantagem de dar de ombros e seguir adiante sobre a de elaborar argumento falso que convença o primeiro.

O problema de 'os poderes' nos mentirem, portanto, estará em quando pararem de o fazer, coisa para que não deve faltar muito tempo. Em breve, com a tecnologia tornando-a desnecessária, a mão de obra em ociosidade forçosa não deverá mais fazer jus ao esforço de a enganarem, e aí, sim, é preparar-se para mais do que protestar, muito mais. Um dia nos endereçarão a última mentira, a definitiva, e quem a ouvir, acredite ou não nela, jamais escutará seja o que for outra vez.