13 março 2016

Presunção a posteriori de inocência

Faz pouco escrevi sobre não existir quem em sã consciência se poria a julgar - sem falar em condenar - alguém presumido inocente.

Presunção é hipótese, ou algo 'menor que', ou que 'está sob', ou 'é subordinado a' uma tese - e esta seria uma certeza. Assim que uma coisa é presumir inocência, outra é presumir culpa, e ninguém é levado a tribunal - até onde sei do tema ou o compreendo - se por hipótese nada se tem contra si. É preciso, sim, que se presuma ao menos uma culpa para que se instaure um processo, mas é preciso que se enfatize, particularmente para o brasileiro em geral, que até aí a culpa é também hipótese, ainda que tratada como tese e bem fundamemtada pela promotoria.

E durante o julgamento, até que se prove o contrário, é exigido que se considere também a hipótese de o fulano ser inocente, sustentada pela defesa. A presunção de inocência é, em fim de contas, uma variante do princípio chamado 'benefício da dúvida' e não passa de ritualização em Ética da consciência da falibilidade humana, sendo o evidente fundamento da hoje famosa 'ampla defesa'.

É, então, dispositivo a posteriori no contexto dos procedimentos da Justiça, para os quais já se presumiu a priori alguma culpa. Tomada ela, presunção de inocência, a priori, ninguém em sã consciência, como se disse alhures, vai estabelecer processo judicial algum.

Apesar das evidentes vantagens de garanti-la nos meandros do Direito, o fato de vir como 'contrapeso' da presunção de culpa não livra das sequelas de ter sido objeto desta última um réu inocentado, pelo que, na prática, quando a posteriori, a presunção de inocência termina por ter efeito quase exclusivamente retórico, em especial em sociedades como a nossa, brasileira, em que o descompasso dos seus segmentos suscita percepções distintas do que é direito e assim necessidades conflitantes do fazer justiça. Num contexto como o nosso nem sempre as provas que inocentam são em particular assimiladas com naturalidade, o contrário das que inculpam.

Temos muito a caminhar, enquanto povo, na direção de nos tornarmos, um dia, gente como nossas imaginações talvez não tenham ainda sido capazes de conceber. Que não se perca o passo por isso.

11 março 2016

A justiça à brasileira,

essa que mais do que a labuta de rábulas, legisladores e magistrados rumina o coração do brasileiro e dali extrai seu vigor tremendo, conserva aquele traço ibérico - talvez - antigo que fez a fama e as delícias da Santa Inquisição - para que havia culpa em somente ser-se suspeito, prova cabal de que não se foi santo, este sobre cuja inocência não é possível recair a mais leve das dúvidas. A sentença de um inquirido era de hábito prodígio da Lógica depois de coagida a vencer labirintos de hipóteses escabrosas e cofissóes ao látego à guisa de evidências, de que se extraíam teses ardendo em execração pela presença insofismável do mal.

Como toda justiça, a Inquisitorial era ocupação e enquanto tal só faria sentido em oferecendo resultados: justiça é labor como outro qualquer e cuja especialidade, o julgar, exige presunção de culpa (pois a ninguém se permite em sã consciência julgare se é presumido inocente - caso este do santo), culpa que se perfilou em lei, que a prescreve ou, o que é o mesmo, que a prevê. É preciso, pois, que se estabeleça em lei culpa e se a presuma de alguém para poder outrem tirar desse quadro o próprio sustento. É de admirar, diante disto, que sejam tão poucos os condenados mundo afora.

Mas é perfeitamente compreensível, por isto e tudo mais, que brasileiros jamais fomos senão horda de degredados.