26 outubro 2016

Induzindo um sonho

Essa mania minha de ir muito direto a certos pontos tem lá seus reveses. Ela parte da convicção de que refiro quem certamente sabe mais do que sei, no que estou seguro de estar certo. O problema aí advém de uma bobagem, um esquecimento meu: o de que em geral se está pensando o mesmo de mim (evidente erro!) e no fim me vejo atribuido de intenção que não tive.

Nos últimos tempos meu foco tem estado sobre a lógica do dinheiro, sobre aquilo que se tem mostrado inevitável no seu uso. Em vista das polêmicas rodando o País - e o mundo - ultimamente, não vejo como ser menos direto quanto a isso, em especial por estarmos todos numa perpétua campanha por reformas diversas e à qual não me sinto menos compelido a aderir. Como qualquer outro de nós, procuro fazer essa adesão de maneira crítica, o que não passa do previsível: apontar obscuridades e trazer para elas a luz que cada um pode, pois apesar da alguma balbúrdia que se forma nesses lugares, a esperança é ainda a de que muitas mãos possam complementar-se na realização do trabalho, que examiná-los com múltiplos olhos pode esclarecer mais do que com apenas um.

Assim é que tenho procurado mostrar como no meu entender o tema, que é limitado pelas leituras que faço e vivências que tenho, certas sugestões de mudanças parecem resultar ineficazes, porque, como pus acima, no caso do dinheiro há efeitos do seu uso que são inevitáveis, por mais que se acredite ser possível 'domesticá-lo": coisas de sua natureza, ou seja, sem as quais ele deixa de ser o que é, dimheiro. Minha posição não tem como ser mais clara: voto por sua sumária extinção, mas - é evidente - não deliro achando que isto se consiga, nas condições atuais, da noite para o dia.

Não tenho dúvida de que o mundo sem ele seria indescritivelmente melhor, mas entendo também que nos derradeiros séculos ou milênios não nos temos feito com a necessária fibra para tolerar sua ausência. Viver sem moeda é coisa para uma natureza fortificada física e ainda mais eticamente. Mas assim como nos fizemos no que somos, não duvido de sermos capazes de nos fazermos de outros modos, inclusive num que nos habilite a viver num mundo de exclusivo compartilhamento, em que as idéias de troca e concorrência não passem de memória de um longo e mal sucedido experimento social.

E isto só se consegue em se pensando no assunto, principalmente nas atuais circunstâncias, em que número crescente de pessoas vem identificando esses pontos nocivos, sem entretanto lhes dar os nomes apropriados, quase sempre mostrando-se receosas quanto a admitir que aquilo que lhes é fonte de certos prazeres o seja também de seus maiores desapontamentos. Uma reação comum à introdução da proposta de extinguir o dinheiro nesse contexto de íntimo conflito de interesses é classificá-la como pura fantasia, idealismo, ou seja o que for no gênero: como se não fossemos todos afeitos a fantasiar, idealizar, embora às vezes em assuntos sem maior importância ou consequência! Assim, por que não incluir este na lista pessoal de sonhos em vigília e, para os recatados, dividir com os mais íntimos sua interpretação?

Sequer é preciso estipular um regime diário para o sonhar, haja vista o sem número de ocasiões em que de hora em hora se é acossado por algum aspecto, mesmo sutil, do desconforto, da deselegância e até da destrutividade da existência do dinheiro. Nessas ocasiões é sempre oportuno - por instrutivo - indagar-se sobre a possibilidade de corrigir ou eliminar aquele seu descômodo sem para sempre abrir mão de tê-lo no bolso. Com a devida persistência no método - apoiada, se necessário, em alguma literatura pertinente - em pouco tempo iremos habituando-nos à recorrente, inevitável resposta para essa questão: não!

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