03 maio 2018

O fim da servidão

Nem todo escravo, é provável, o sabe, mas sua mais poderosa arma, de efeito letal, é a servidão. O desejo todo do senhor resume-se a poupar a própria energia, delegando trabalhos considerados ignóbeis, devido por certo ao desgaste físico, além do moral. Para destruí-lo usaria o escravo a estratégia de servi-lo o melhor possível, na verdade, em excesso, adiantar-se às suas necessidades, mantendo-o no limite ante à paralisação, se não paralisado. A plena satisfação acompanhada de inteira boa vontade é como droga: cria dependentes e em doses maciças mata. O indivíduo imóvel, paralisado, é indivíduo morto.

'O criado', de Losey, é no cinema exemplo da tática: quando dá por si, o senhor se vê enredado na teia de lascívia do servidor, só lhe restando sucumbir. A mesma técnica é empregada por grandes indústrias e distribuidoras, além dos bancos e, em suma, por toda uma horda de serviçais interessados somente em manter as mãos nos bolsos do cliente. Todos querem servi-lo - e de fato o servem - para em princípio torná-lo dependente do serviço oferecido,  pois não há sentido aqui em matá-lo com excesso de conforto. Mas é fatal errarem na mão, dada a abundância do que ofertam, e mais cedo ou mais tarde lhe retirarem a inteira capacidade de autodeterminar-se, com o mundo ao alcance indolente do olhar.

Este é o plano até a maquinaria aprender todas as habilidades do homem, quando deixa de ter sentido permitir de favor que trabalhe lado a lado com ela, como ainda ocorre. Passado esse período, terá alguma função só o mecânico, enquanto as impressoras não  se habilitam a produzir de tudo, decerto tornando-se as únicas máquinas necessárias. Então não haverá mais razão de existir senão quem as use. Se já não estiverem suprimidos por fome, guerras e pestilências de toda ordem, os serviçais inutilizados sobrevivendo à primeira leva de mecanização total perecerão junto aos mecânicos, na certa pulverizados por robôs ou dispositivos nos chips implantados ao nascerem. Assim, após o esgotamento das etapas todas do progresso, a Terra verá cumprida a promessa de ser salva, gravada em cinco línguas em monolitos encravados no meio dos EUA,  tornando-se pela prineira vez o Paraíso dos mitos, habitado pelos quinhentos milhões que o mereceram.

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