29 abril 2019

Idiossincrasias monetárias

A gente não gosta muito quando digo que sé é uma sociedade justa e igual o que se deseja ter, a isto não se chegará jamais enquanto estiver presente, atuante, o dinheiro. E tal por uma razão elementar: se a justiça que se imagina obter é fruto da igualdade, o que inclui a distribuição de bens, de riqueza, não faz sentido na natureza do dinheiro ser distribuído de modo igualitário. Pois para que o estorvo de cunhar e administrar uma moeda (que pode ser, inclusive, eletrônica) e distribuí-la igualmente, se é mais prático compartilhar o quanto se produz? Daí se conclui ser próprio do dinheiro, da sua natureza, produzir desigualdade - não há como fazê-lo atuar de modo a produzir o contrário, sem inutilizá-lo, sem lhe suprimir a função de intermediário nas operações de troca de bens.

De modo geral todos percebemos ou sabemos em detalhes dessa lei ou propriedade do universo das finanças, mas temos mantido - por motivos que ignoramos ou não queremos desvendar - o propósito de salvaguardar o uso desse instrumento e disto nascem duas conhecidas ideologias, uma separando justiça de igualdade e em que impera o conceito de merecimento (mérito) e pelo qual seria merecido ou justo possuir-se mais ou menos das riquezas produzidas em comum, e a outra, a ideologia que vê solução em modular ambas as ideias, de justiça e igualdade, pregando a existência de justiças e igualdades maiores e menores.

O sistema do mérito é, dos dois, aquele que certanente merece atenção, não tanto por ser engenhoso, mas pela ameaça que representa, uma vez que culmina necessariamente na ideia de escravidão. Afinal não surpreende observar que 'merece quem faz por onde merecer', de sorte que o demérito pode ser fruto adubado mais no sujeito do que naquele que o está submetendo. Daí a importância de um sistema de valores que, embora chucro, não aparente o ser e assim possa manter apaziguados em seus respectivos deméritos aqueles a quem se escolheu para o papel.

Quanto à possibilidade de sociedades mais ou menos justas e iguais, é preciso perguntar-se primeiro a que corresponderiam, seja no mundo, seja no universo dos conceitos, igualdades, justezas ou justiças maiores e menores. Vivo ansioso por conhecê-las - caso alguém m'as possa apresentar. Entretanto, se não se pode sequer pensar em igualdade e justiça que não sejam exatas, parece compreensível ou razoável que se fale em desigualdades e injustiças maiores e menores, o que em termos sociais significa que os indivíduos em algum desfavor em seus meios toleram as respectivas desigualdades e injustiças, de onde se chega a que subscrevem o sistema de valores arbitrando que possuam menos e, como se mostrou, que suas tolerâncias são o que alimenta tal endosso.

A desigualdade promovida pelo capital só pode ser reconfigurada pela insubordinação, caso em que se permanece cultivando ou cultuando suas regras e os antes favorecidos podem ter suas posições trocadas com as de alguns antigos desfavorecidos. Mas a insubordinação também pode - e deveria - levar a aboli-lo. É sempre uma curiosidade entender por que não tem sido esta uma alternativa mais considerada.

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