21 junho 2020

Sobre delação - a legal e a jornalística

Dar com a verdade é quiçá a maior e mais persistentemente insolúvel das questões acossando o ser humano, não tanto por desconhecimento dos meios para abordá-la, mas pelo trabalho, pelo esforço exigido para usá-los, em particular o mental. Sendo auto-contraditória a admissão de ser assunto irrelevante (pois desse viés não há como aferir a relevância dessa afirmação mesma), mais fácil tem parecido a muitos reduzir o rigor quanto ao que julgam ser verdadeiro, com frequência estimulados por entendimento equivocado de ideias como 'intuição' e 'fé', criando assim nichos em que se crêem protegidos dos males inerentes à suspensão da verdade (e em grande medida dos que é possível advirem depois de conhecida), mas só enquanto não se tornam eles próprios vítimas da proteção que criaram..Vale, pois, por precaução considerar durante ao menos alguns instantes o que se segue.

Delação premiada e proteção do jornalista às suas fontes têm mais em comum do que poderia o negar mesmo uma consideração mais demorada do problema. Centrando no aspecto 'prova', inseparável do ato de propor seja o que for a respeito do mundo, não parece haver dúvidas de que tanto o delator quanto o jornalista tenham de apresentar a que corresponde ao relatado por cada qual. Entretanto não tem sido bem esse o costume.

Em ambos os casos estão em jogo fatos, e lembremos que fatos, no caso do primeiro, são em tese tudo com que pode e deve a Justiça lidar se neles se constatam violações de leis, crimes, e todo crime é suposto ter ao menos um autor, a ser penalizado se a isto conduzirem as provas. Já no contexto da segunda não é necessário que o fato em questão viole alguma lei, pois é possível, por exemplo, conceber alguém esquivando-se da acusação de vaidade de anunciar publicamente ato seu de filantropia, preferindo omitir seu nome na notícia de que onpraticou, mas quando é crime o objeto da notícia, a probabilidade de a ocultação da fonte ser também ato criminoso torna-se perceptível.

Imaginem-se assim quantas delações feitas por criminosos, e cujo prêmio é a omissão mesma da identidade do delator, podem tramitadar na imprensa sob os auspícios dessa 'regra de ouro' do jornalismo! É verdade, muito se elucidou também por seu intermédio, mas não é em absoluto equivocado perguntar-nos - e ingênuo seria fazer o contrário - se grandes crimes (crimes perfeitos!) não seriam perpetráveis por essa mesma via. Em suma, se tem potencial para produzir provas de crime, a proteção seletiva de fontes de notícias teria em tese potencial idêntico para ocultar ao menos um de seus autores ou, pior ainda, para ser ela própria instrumento dos criminosos ocultados. Ademais, o conhecimento da identidade de uma testemunha pode ter peso significativo no que relata e esconder alguma pode ser indicativo de crime como o sequestro ou a ocultação mesma de provas.

Contextualizem-se agora essas duas ferramentas - tidas por auxiliares valiosos para o conhecimento da verdade - num meio social muito afeito a desprezar, sempre que conveniente, a intermediação essencial da prova para a denúncia falar com o veredicto. Desnecessário ser autor de novelas policiais para fantasiar o romance não declarado que aí vivem as duas, tal e qual pares famosos na história da infãmia, mas com a particularidade de, neste caso, contarem com a colaboração, com o acobertamento de quem é suposto comprovar malfeitos, julgá-los e corrigi-los (puni-los).

Em todas as circunstâcias, reiter-se, é brutal a suspensão da presunção de inocência mesmo em presença de indícios de culpa, brutal para o alvo de denúncia sem evidência tanto quanto ou ainda mais para quem a usa para acusar e condenar, e por isso o abuso aqui de condicionais e subjuntivos na abordagem do tema.

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