25 junho 2020

Sobre 'passeios a esmo', como os de junho de 13

Diz a chamada para a matéria, na Carta Maior, que novo filme, 'O mês que não terminou', é o primeiro a dizer sem titubeios que o que chamo de "passeos a esmo de junho de 13"  foi o ' ovo da serpente'! Só rindo, porque, finalmente, uma outra voz vem fazer coro com a minha, dizendo há sete anos exatemente o mesmo. Dizem que a Dilma e o Lula, 'putas velhas' desta zona, ficaram com a pulga atrás da orelha enquanto se desenrolavam dos fatos, mas tendo pelas costas toda uma esquerda desvairada, mantiveram a suficiente discrição a esse respeito.

É que, em vista da lógica de seu desvario, essa esquerda não pode deixar de legitimar o protesto enquanto forma de fazer política, sendo a política aquilo que, todos os que vivemos em grupos o sabemos, ninguém consegue não fazer, ainda que o tente desesperadamente e ache que o conseguiu: e para esse destempero ideológico é 'sagrado',  enquanto 'fazer político', o direito de protesto do povo, seja qual for o motivo ou mesmo, caso do 'junho de 13', sem motivo algum - durma-se com barulho assim!  Mas do que essa esquerda esquece - ou o não quer ou é incapaz de ver - é que, a despeito de sua legitimidade, o protesto é forma menor de fazer política,  visto que por princípio ou natureza própria é antes expressão de anuência e submissão aos princípios estruturantes d'O sistema',  no caso, o patriarcalismo, o dúbio paternalismo, contra parte dos quais os protestantes dizem insurgir-se. O ir às ruas reivindicar o que for, apesar da evidente contundência, é análogo aos esperneios e outros escândalos de se valem as crianças ao se darem conta da extrema e eventualmente humilhante dependência que têm dos seus pais, e que resultam, se tanto, no atendimento a parte módica de suas reivindicações, quando não as enganam com um doce ou são mesmo postas 'de castigo'.

Se efetivos, protestos o são de fato na alavancagem das carreiras de políticos que surfam em sua oportunidade, não raro até dos que são alvos dos manifestantes. Enorme esforço com investimento a fundo perdido em emoção, o protesto tem por oriente natural a ilusão de consertar 'O sistema,' de pô-lo a funcionar como é imaginado dever, de modo que em aparência resulta em caminhada extenuante para não se sair de onde já se está, porque 'O sistema' não tem conserto, sabe-o quem se dá à tarefa de pensá-lo por míseros quinze minutos ao dia e em coisa de um par de semanas descobre que consertá-lo é o mesmo que destruí-lo - e protesto algum, sendo o que por natureza é, pode ter por meta destruir  'O sistema', ainda que da boca para fora quase todo protestante diga o oposto. Vários, enormes protestos, muitos transmutados em verdadeiras revoluções, mostraram isso ao longo da História,  das quais o exemplos mais significativos ainda são as Revoluções Francesa  e Russa: todas, mais cedo do que esperado, voltaram ao ponto de onde partiram, ainda que na na aparência, nos detalhes os mais superficiais, a tolice humana veja alguma evolução, sinais de pífia melhora.

Aspecto seminal d'O sistema', e que a esmagadora maioria de nós faz profissão de ignorar, é que se funda no pressuposto ou necessidade de todos os seus partícipes serem reciprocamente estranhos no que tange àquilo de mais fundamental que a associação de indivíduos propõe se faça, a reunião da força de trabalho de todos em prol da sobrevivência comum, em outros termos, a atividads econômica: a contradicão aí é flagrante não faltando ditos populares que lhe deem fé, como o famoso "amigos, sim, mas negócios à parte", em miúdos, a confissão desavergonhada, reproduzida com graça mundo afora, da total falta de compromisso do indivíduo para com a coletividade no que toca a aspectos mais imediatamente sensíveis da sua pessoal sobrevivência. Acreditar, pois, que massa de indivíduos tenha, de hora para outra, logrado suplantar essa condição de recíproca animosidade por tão só reunir-se em demostração de animosidade específica para com outra fração de indivíduos é indefectível esgarçamento da razão.

Enfim, demonstrar animosidade para com seja o que for, ainda que com o propósito de o destruir,  é de vários modos expressar a alguma importância disso para quem o hostiliza. É, então, um dos modos do afeto e, enquanto navegação em águas assim incertas, é trajeto sem rumo preciso, podendo ir de um pólo ao seu oposto sem os navegantes se darem conta. No momento em que protestantes empedernidos entenderem a inefiácia e o ridículo de seus atos frente ao que poderia o mundo ser para lá de seus risíveis sonhos, perceberão de enfiada que o modo único de o materializarem, livrando-se, assim, d'O sistema', é demonstrarem todo um real desafeto por ele, deixá-lo para trás, de lado, esquecê-lo, o que acarreta entenderem-se de fato, sem necessidade dos usuais intermediários que, a bem da verdade, em prol de garantir o ganha-pão próprio, têm de atender a apenas modesta fração das reivindicações dos protestantes, iludi-los com doces e mesmo castigá-los depois de se haverem lucupletado das sobejas e gratuitas campanhas que os protestos proveem para suas carreiras. É triste que tudo ainda corra sob tamanha e vexaminosa perda de tempo e energia!

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